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Sonhos Urbanos

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Querida Molly,

por Jorge, em 16.11.05
Cresci no pântano perto da tua casa. Passei anos a ver-te desenvolver e sonhei poder participar nas tuas animadas brincadeiras. Sei que o primeiro livro que leste tinha uma capa azul celeste, também sei que um dia te magoaste a andar de bicicleta mas não disseste nada a ninguém para não mostrares que eras frágil como uma flor.

Em pequena, os teus cabelos dourados estavam sempre despenteados. Inicialmente pensei que tinham vida própria, afinal acho que não (disse-me a coruja). Quando a noitinha chegava tinhas medo de monstros, lamento que nunca ninguém te tenha dito que havia um que tomava conta do teu soninho.

De uma menina muito bonita, passaste a ser uma mulher linda. Por dentro e por fora, sempre trataste bem os animais da floresta. Um dia pensaste em casar, como seria bom ser o teu noivo. Pensando melhor, estás bem com o Alan, ao menos ele pode dizer que é humano. Não terias de o esconder num pantâno.

Quando mudaste de casa fiquei sozinho nas Sombras. Os novos vizinhos já não eram bons de observar, por isso dediquei-me mais à vida no pântano. As estações do ano foram passando e o meu corpo sentiu isso. Sei que também sentes, mas dos dois sou o único que perde partes do corpo quando as folhas de Outono são arrastadas pelo vento.




Uma borboleta contou-me que já foste mãe, derramaria uma lágrima de alegria ao ver-te com o teu rebento. Gostava de ter braços para pegar nele e um cabelo para ele puxar. Como criatura do pântano nem me posso aproximar dele, ou de ti, sem que tenha o mesmo pesadelo durante noites e noites seguidas.

Ontem estendi-me ao Sol e deixei os pássaros pousarem em mim, perdi-me a pensar no que te poderia dizer. Por uns instantes, sonhei em ser humano e convidar-te para viajarmos pelo mundo. Ultimamente sonho muito acordado, preciso de conhecer outras criaturas do pântano para com elas sair e saber o que pensam. E se for a única criatura do pântano que resta?! Um sapo chegou-me a dizer isto. Perguntei-lhe porquê, ele apenas disse que este mundo deixou de ter espaços para monstros como eu. Fiquei a pensar nisto, até que a lebre me explicou que os sapos não sabem nada, apenas inventam (curiosamente a coruja disse o mesmo da lebre). Talvez nenhum de nós saiba realmente nada e apenas inventamos.

Fico por aqui, é Lua Cheia, quero contemplá-la sem mais demoras. Lamento nunca te ter dito o meu nome, nem de ter sentido os teus lábios. Ao menos sei que quando olho para o Sol, estou a olhar para o mesmo Sol que olhas.

Jorge
(um tributo ao Swamp Thing, pela inspiração)

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